4.26.2008

Dentro de casa , agora, a chavena de café fumegante exala odores fortes e reconfortantes, sabem a coisas conhecidas, à segurança que se quer no lar. Diante dela, o homem observa à luz de uma vela, os contornos do rosto da sua mulher. A pele gasta do sol, ressequida, áspera, mas de uma firmeza austera, mesclada de sabedoria, com sabor ao sal das ondas do mar, dos banhos ao luar.
Lembra-lhe a sua jovem mulher, pois foi assim que a conheceu. Nas longas noites em que a espiava, sem malicia, apenas por um incontrolável desejo de a tornar sua, sentado nas rochas frias, enquanto ela se banhava naquele mar que era todo seu naquelas alturas. Longos cabelos pretos, colavam-se às costas, e nas curvas do seu corpo, imaginava as suas mãos desenhando pausadamente, cada contorno, cada caricia.
Era essa ainda a mulher que agora via, concentrada na sua lida diária, cosendo, cozinhando, remendando ao seu lado as redes de pesca que eram o garante do seu sustento. Mãe extremosa, compreensiva, repreendia com amor, nunca com severidade.
-Vou sair, disse. A mulher anuiu com a cabeça sem pousar os olhos no marido, sabia muito bem onde ele ia àquelas horas da noite. Não se importava, já lá ia o tempo em que deixava de dormir por se sentir demasiado magoada para sequer ousar deitar a cabeça na almofada, preferindo antes o desconforto de um banco encostado à soleira da porta, onde via aparecer o seu marido horas altas, cambaleando pela praia, entoando canções sem se importar muito com a letra.
Corria para ele e amparando-o levava-o para casa, onde debaixo do chuveiro o fazia voltar à consciência. Apesar de se sentir traída e magoada, ao ponto do seu coração ja não lhe parecer mais humano, não conseguia mover um músculo que não fosse para tratar do seu marido, agora completamente adormecido e aninhado no seu regaço. De todas as vezes que isso acontecia, ela ficava feliz. Estranho, ficar feliz pelo simples facto do seu marido escolher sempre o caminho de casa ao invés de desaparecer pelos caminhos de uma vida tentadora, percorrer o mundo, sem obrigações, que é isso que corre nas veias de quase todos os homens. As mulheres são as raízes que os homens precisam para os fazer parar num determindado sitio. Não existindo essa raiz, se ela não for suficientemente forte, ele parte, talvez em busca do mesmo noutro lado, ou por uma insaciável vontade de andar. (continua)