10.20.2007

O velho marinheiro desceu uma vez mais à praia donde tantas vezes viu partir os seus companheiros, nas pequenas embarcações roídas pelo tempo e pelas ondas, que o mar ali nunca fora meigo. Deitou um olhar rápido ao largo, para confirmar as pequenas luzes que piscavam como estrelas, nos pequenos barquinhos que se preparavam para o anoitecer. Dentro de um deles estavam os seus dois filhos, que como bons rapazes que eram haviam aprendido o ofício do pai, para que chegada a hora de o substituírem o fizessem naturalmente, sem dificuldades. De resto nada mais havia para fazer naquela pequena aldeia de pescadores, nem num raio de centenas de quilométros, já que esta era uma daquelas aldeolas esquecidas pelo tempo, pelo progresso, onde tudo era ainda artesanal e poucos eram os contactos com o mundo exterior. Viviam em comunidade, os poucos habitantes que persistiram ao passar dos anos. As mulheres faziam os trabalhos domésticos e alguns produtos que trocavam ou vendiam na feira mensal. Eram, na sua generalidade, senhoras de meia idade, habituadas às longas ausências dos maridos, por dias e noites a fio, e por isso eram caladas, mesmo tendo a possibilidade de falarem entre si. Como se estivessem constantemente em oração, velando pelo regresso dos homens que andavam no mar. Pediam por eles a toda a hora e por isso havia pouco tempo para conversas, deixando espaço apenas para o indispensável a ser dito. Não eram vidas tristes, porque nenhuma delas conheceu outra forma de vida. A felicidade destas mulheres passava pela aceitação do seu modo de vida, condição que lhes era passada de geração em geração. As frustações do dia a dia com que outros seres humanos têm de lidar, desde os pequenos contratempos capazes de abalar o nosso bem estar, até às maiores atrocidades cometidas em nome de ambições desmedidas, naquele lugar simplesmente não existiam. E não porque fosse uma aldeia perfeita, humanamente isso seria impossível. Mas porque simplesmente todos os seus habitantes tinham em mente um só desejo: agradar ao Mar que lhes dava o alimento e razão para existirem. Não conheciam outra filosofia que não fosse a relacionada com os mandamentos das marés. (continua)

1 comment:

CPrice said...

continua sim .. mas depressa .. fiquei presa por aqui a querer ler mais ..:)

e escreve sim lápis .. desabafos, queixas, alegrias e tristezas sobre tudo ou sobre nada .. esse talento vale a pena ser escrito, lido .. *

beijo